Estou, nesta noite cálida, deliciadamente
estendido sobre a relva,
de olhos postos no céu, e reparo, com alegria,
que as dimensões do infinito não me perturbam.
(O infinito!
Essa incomensurável distância de
meio metro
que vai desde o meu cérebro aos dedos com
que escrevo!)
O que me perturba é que o todo possa caber
na parte,
que o tridimensional caiba no dimensional, e não
o esgote.
O que me perturba é que tudo caiba dentro
de mim,
de mim, pobre de mim, que sou parte do todo.
E em mim continuaria a caber se me cortassem braços
e pernas
porque eu não sou braço nem sou
perna.
Se eu tivesse a memória das pedras
que logo entram em queda assim que se largam no
espaço
sem que nunca nenhuma se tivesse esquecido de
cair;
se eu tivesse a memória da luz
que mal começa, na sua origem, logo se
propaga,
sem que nenhuma se esquecesse de propagar;
os meus olhos reviveriam os dinossáurios
que caminham sobre a Terra,
os meus ouvidos lembra-se-iam dos rugidos dos
oceanos que engoliram continentes,
a minha pele lembrar-se-ia da temperatura das
geleiras que galgaram sobre a Terra.
Mas não esqueci tudo.
Guardei a memória da treva, do medo espavorido
do homem da caverna
que me fazia gritar quando era menino e me apagavam
a luz;
guardei a memória da fome;
da fome de todos os bichos de todas as eras,
que me fez estender os lábios sôfregos
para mamar quando cheguei ao mundo;
guardei a memória do amor,
dessa segunda fome de todos os bichos de todas
as eras,
que me fez desejar a mulher do próximo
e do distante;
guardei a memória do infinito,
daquele tempo sem tempo, origem de todos os tempos,
em que assisti, disperso, fragmentado, pulverizado,
à formação do Universo.
Tudo se passou defronte de partes de mim.
E aqui estou eu feito carne para o demonstrar,
porque os átomos da minha carne não
foram fabricados de propósito para mim.
Já cá estavam.
Estão.
E estarão.